Receita de bolo para evitar fraudes no azeite

Enquanto asso uns bolinhos, vou contar para vocês sobre uma matéria do dia 30 de agosto em que o New York Times diz que o mundo dos azeites é obscuro. É verdade. Assim que terminaram as provas do Brazil IOOC, o concurso internacional de azeites sediado em SP, Francisco Pavão, o presidente do júri, pediu a um assistente que fosse ao mercado comprar cinco garrafas de azeite com preço em torno de R$ 18,00. Foi um susto, mesmo para nós acostumados a provar todo tipo de óleo. Havia ali azeites que poderiam ser chamados de extravirgem do ponto de vista químico, mas que a análise sensorial indicava serem lampantes (se eu fosse uma lamparina eu reclamaria, porque nem lamparina merece azeite tão ruim).

Esse tipo de história sempre sempre gera aflição no consumidor, que se pergunta: “Mas como é que eu sei que o azeite é bom ou não? Estava escrito no rótulo que era extravirgem, que a acidez era 0,1, que era prensado a frio”. A única coisa que não estava escrita é que o Brasil não possui ainda um painel sensorial para análise dos azeites importados e por isso é possível exportar para cá azeites que na União Europeia não seria considerados próprios para o consumo.

Estava escrito que era extravirgem

Para ser classificado como extravirgem, o azeite tem que atender a um conjunto de parâmetros químicos e um conjunto de parâmetros sensoriais. Um dos parâmetros químicos é a acidez, que indica a qualidade do azeite no momento da extração, mas sozinho não é suficiente para demonstrar que o azeite é bom de fato. Outro parâmetro é o índice de peróxidos, que indica o potencial de oxidação do azeite. Já o conjunto de parâmetros sensoriais depende de um painel de especialistas treinados. Alguns defeitos só podem ser identificados pelo nariz humano. Os azeites ruins que compramos no mercado atendiam às especificações químicas mas não podiam ser classificados como extravirgem do ponto de vista sensorial.

Estava escrito que estava prensado a frio

Na matéria do New York Times, Nick Coleman, um oleólogo norte-americano, diz algo bem interessante. Se azeite é o sumo da azeitona, não deveria estar na prateleira de secos e molhados, nas sim nas gôndolas de produtos frescos. Faz todo o sentido. Como um sumo natural, o azeite assim que extraído começa a sofrer um processo de degradação. Por isso, quanto mais fresco melhor. Mas não se iluda com o conceito de prensado a frio. Antigamente, quando o azeite era extraído em prensas, a massa que sobrava era reaquecida com água quente o que permitia fazer uma segunda extração de um azeite de qualidade ruim. Nessa época, dizer que o azeite era extraído a frio era um diferencial. Hoje ninguém mais faz isso (a não ser pequenos produtores de produção caseira em rincões dos países mediterrâneos).

A receita de bolo para evitar fraudes

Edgardo Pacheco, meu amigo que escreveu o guia Os 100 Melhores Azeites de Portugal e também foi jurado no Brazil IOOC contou uma experiência interessante. Reuniu um grupo de crianças e pediu que provassem algumas amostras de azeites ruins e azeites bons. Instintivamente, sem nenhum conhecimento técnico, as crianças escolheram os azeites mais frescos. Enquanto estou escrevendo este texto, sinto vir da cozinha o aroma do bolo que está assando (cardamomo, semente de coentro, açúcares caramelizados ). Embora eu controle o tempo com o timer, porque às vezes me distraio, aprendi com minha mãe a saber se um bolo está assado pelo cheiro. A maior arma de um consumidor sempre será o seu nariz.

Para desenvolver o nariz é preciso fazer duas coisas:

  • Cheirar tudo, sempre. Se você gosta de cozinhar, cheire o ingrediente cru. Cheire o mesmo ingrediente cozido. Busque discriminar os aromas que estão na sua cozinha.
  • Para discriminar o aroma dos azeites, nunca faça isso com um único azeite. Sempre tenha dois à mão. De preferência o que você costuma comprar no supermercado e um outro brasileiro da safra mais recente. Observe que os azeites brasileiros possuem no contrarrótulo a data de extração. Coloque numa xícara de café (não adianta provar com pão nem em colher de metal) e sinta o aroma. Embora existam vários aspectos técnicos que um degustador de azeite descobriria neste ponto, o consumidor leigo já consegue instintivamente sentir a diferença qualitativa dos aromas.
  • Devagar você vai começar a reconhecer um cheiro forte de azeitonas fermentadas, de pasta de azeitonas, que muita gente identifica como o aroma do azeite, mas que na verdade é indicativo de azeite de baixa qualidade. E vai começar a perceber as notas frutadas e herbáceas dos azeites frescos e de qualidade.

Vou tirar meus bolinhos do forno e volto em breve com a receita. Enquanto isso saia por aí cheirando os azeites na casa da sogra, dos amigos e dos vizinhos e vá desenvolvendo seu nariz. A melhor receita para evitar fraudes está bem na frente da sua cara.

umlitrodeazeite

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