O azeite da coroação do Rei Charles

Sempre foi trabalhoso você provar que é melhor que os outros e que, portanto, pode ser rei e mandar em todo mundo. É necessário algum poder militar, uma boa quantidade de ouro, algumas cabeças de inimigos decepadas e, principalmente, uma justificativa para origem divina do seu poder. Desde a Antiguidade até 06 de maio de 2023, quando acontece a coroação do Rei Charles III, na Inglaterra, uma das formas de mostrar a conexão com forças divinas é a unção com azeite. Podia ser pasta de figo, água do Mar Morto, vinho. Afinal, símbolos são sempre arbitrários. Mas por que especificamente azeite?

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Coroação de Henrique IV, circa 1.470 (Jean Froissart)

A origem do ritual

Na abertura da edição 22/23 do Extrafresco: o Guia de Azeites do Brasil, eu comento sobre algumas árvores ligadas à história da humanidade. A casca do salgueiro foi usado por séculos como remédio. Os pinheiros, por causa da sua resina, foram usados como fonte de luz. A figueira é uma das frutas consumidas há mais tempo. Mas apenas uma árvore proporcionou, ao mesmo tempo, remédio, luz e alimento: a oliveira.

Com todos esses atributos e ainda mais a natureza de ser uma árvore centenária, é fácil entender o valor dado à oliveira e à sua transformação em símbolo de prosperidade e paz – coisas que nos conectam com o divino. Um dos exemplos mais antigos registrados da unção de um rei com azeite de oliva vem da Bíblia, onde o profeta Samuel unge Saul como o primeiro rei de Israel. Este ato foi visto como uma confirmação divina do status de Saul como rei e estabeleceu um precedente para futuros reis de Israel serem ungidos com óleo. No Novo Testamento, Jesus também é dito ter sido ungido com óleo por uma mulher em uma cerimônia que foi vista como um sinal de seu status divino. “Messias”, aliás, é uma palavra hebraica que significa “ungido”.

A unção dos reis ingleses

O uso do azeite na unção de reis continuou ao longo da Idade Média na Europa, sempre visto como uma forma de conferir o direito divino de governar. Na Inglaterra, a unção do monarca com óleo remonta à coroação do Rei Edgar em 973 d.C. Mais tarde, no século XIV, um monge entregou ao futuro Rei Eduardo II um frasco de azeite que teria sido recebido por São Tomás Becket diretamente das mãos da Virgem Maria. O rei ficou na dúvida entre ser ungido com o óleo tradicional dos antepassados ou esse, que continha a profecia de que o rei o que usasse reconquistaria a Terra Santa. Acabou optando pela tradição (ah, esses ingleses) e depois passou o resto da vida arrependido. Chegou a tentar ser ungido novamente com o tal azeite da Virgem. O Papa mandou um recado para ele dizendo que se ele quisesse ter prosperidade, deveria é comportar-se de acordo com as leis de Deus e não ficar preocupado com a origem do azeite.

A origem do azeite usado na coroação do Rei Carlos III

O azeite que será usado na coroação acrescenta um simbolismo a mais a história. Ele foi extraído de dois olivais em Jerusalém, localizados no Monastério da Ascensão e no Monastério de Maria Magdalena. É nesse último que está enterrada a princesa grega Alice, avó paterna do Charles. O azeite foi extraído em Belém, cidade de nascimento de Jesus (mais um símbolo) e consagrado em Jerusalém (é possível ver parte da cerimônia de consagração do azeite nessa matéria no Youtube).

Além do azeite, a cena da coroação vai ser composta por um bordado executado por artesão da Escola Real de Bordados (da qual Camila, a rainha consorte, acaba de virar patrona). O bordado de aproximadamente 2 x 2 metros contém a imagem de uma oliveira com 56 folhas representando cada um dos estados membros do Commonwealth.

The Anointing ScreenFonte: https://www.royal.uk/news-and-activity/2023-04-29/the-anointing-screen

umlitrodeazeite

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