O melhor azeite trufado

Imagine alguém que nunca experimentou um morango de verdade. Só conhece o seu sabor por meio de balas, iogurtes e suco artificial. Aliás, esse alguém pode até ser você mesmo, se for brasileiro. Morango não é uma fruta nativa do Brasil. O clima e o solo nem sempre contribuem para uma boa expressão dessa fruta. Ela é sensível, muitas vezes colhida e consumida naquele estágio de maturação em que tanto faz se é morango, pêssego ou tomate – sempre vai ter o mesmo gosto de fruta verde.

Se você só conhece morangos por meio do aroma e sabor artificial acrescentado a produtos, pode estranhar muito quando provar um morango de verdade. Carnudo, suculento, com uma leve crocância das sementes. E muito aromático (avance para o final do texto se quiser saber como potencializar o aroma dos morangos). Eu citei o “carnudo”, “suculento” e “crocante” porque nossa percepção de sabor dos alimentos é altamente influenciada pela sua textura e aparência. Já pensou como seria o espaguete ao sugo se os tomates fossem brancos?

Mas este texto não é sobre morangos. É sobre trufas e azeites trufados. Trufas são fungos raros que nascem em algumas regiões da Europa. Há cachorros e porcos especialmente treinados para caçá-las na época certa do ano. Pretas ou brancas (essas últimas mais aromáticas), sempre foram associadas a luxo e riqueza e aparecem prodigamente em cardápios da nobreza dos séculos XVIII e XIX. Seu aroma intenso é fugaz e e dura poucos dias, depois de retiradas da terra.

Cesta de morangos da Fazenda Irarema

O preço do quilo de uma trufa branca de Alba, na Itália, pode chegar a quatro mil dólares. Como todo produto caro e cobiçado, há toda uma indústria por trás à caça de gourmets incautos. Nos bons restaurantes que as servem, já não são usadas como recheio de aves, algo comum nos cardápios de Escoffier da virada do século XIX para XX. São laminadas sobre uma balança e freguês paga entre cinquenta e cem dólaares dólares para poder dizer (e postar nas redes sociais) que comeu um comida rara

O perfume das trufas

Mais do que um alimento, as trufas são um perfume (fungada cara, não?).  Tanto que recomenda-se seu consumo com pratos muito simples, como talharim ou um prosaico ovo frito, para evitar excesso de informação.

Esse aroma é composto por centenas de moléculas aromáticas. Uma dessas moléculas, cujo nome é 2,4-ditiapentano, pode ser sintetizada em laboratório. Esse composto, cujo aroma é descrito como sulfuroso, é o principal elemento adicionado a azeites trufados. Como todo componente sintético, do ponto de vista aromático ele é unidimensional. Ou seja, não pode dar conta de toda a interessante complexidade aromática de uma verdadeira trufa. É como a baunilha sintética, extraída a partir de um composto do petróleo, e que é apenas uma lembrança da baunilha verdadeira.

Por que trufas combinam com azeite?

Assim como toda gordura, o azeite é um condutor de sabor. Ele, por sua vez, também acrescenta seu próprio sabor aos alimentos. É natural, portanto, que alguém, um dia, tenha tido a ideia de acrescentar trufas à garrafa de azeite para deixar seu aroma ainda mais interessante. Era também uma forma de se tentar preservar ao máximo o aroma evanescente da trufas.

Dessa ideia, decorrem dois problemas. O primeiro é que qualquer elemento introduzido no azeite pode acelerar a sua degradação. É por isso que azeites filtrados tem maior durabilidade que não filtrados. O processo de filtragem elimina as micro-partículas sólidas que poderiam fazer o azeite envelhecer mais rapidamente. O segundo problema é que, assim como alguém teve a ideia de misturar trufas ao azeite para potencializar seu sabor, outro alguém teve a ideia de acrescentar trufas para tentar disfarçar o aroma de azeites já cansados ou rançosos.

O mito do azeite trufado

Com a descoberta da síntese em laboratório do 2,4-diapentano, ficou fácil produzir azeite trufado sem pagar caro pelas trufas. Ninguém, em sã consciência, coloca 10 gramas de trufas, pelo preço de setenta dólares, numa garrafa de azeite. Eu, por exemplo, preferiria poupar este valor para um dia comprar uma passagem para a Itália durante a temporada de trufas em Alba. Ainda assim com muita cautela para não ser enganado por vendedores de falsas trufas chinesas ou espanholas (cogumelos de qualidade inferior banhados em… azeite trufado!)

O risco de consumir o azeite trufado é você nem apreciar as sutilezas do sabor de uma trufa quando provar uma verdadeira. Muita gente tem dúvida se gosta daquele aroma esquisito que incendeia o restaurante quando o garçom traz o prato, mas consome porque acredita que está arrasando e comendo algo chique. O principal problema do composto sintético é que ele não representa adequamente o aroma de uma trufa, assim como um alimento “sabor morango” não reproduz o aroma de um bom morango. Pode consumir o azeite trufado? Pode. É de bom tom? Não é. Prefira gastar seu dinheiro com azeite extravirgem de alta qualidade.

Dica #umriodeazeite

Quer tornar o seu morango muito mais saboroso? Além de comprar na estação correta, não consuma a fruta gelada. Deixe-a à temperatura ambiente. O frio inibe as moléculas voláteis que contribuem para o aroma de morango.

Dois produtores brasileiros de azeite também plantam morangos e permitem aos visitantes colher direto do pé.

Em Maria da Fé – MG, a Fazenda Maria da Fé tem um gostoso restaurante ao lado da plantação de morangos.

Em Poços de Caldas – MG, a Fazenda Irarema, premiada internacionalmente pela qualidade dos seus azeites, importou mudas de morango da Espanha. Você compra uma cesta e colhe seus próprios morangos. A fazenda oferece um passeio pelos olivais e um fantásstico brunch com muito azeite aos domingos. Os morangos podem ser colhidos de fevereiro a setembro e estão no auge do sabor em junho e julho.

umlitrodeazeite

3 Comments

  1. E há também as extravagâncias sem nenhum sentido… a única vez em que não terminei uma sobremesa foi um tal de brigadeiro com azeite trufado que resolveram inventar em um restaurante que se mete a colocar trufas em tudo… deve ter sido mesmo o tal do enxofre industrializado – cramulhão engarrafado – que maculou o pobre doce brasileiro…

Deixe uma resposta para Zelia Maciel Cancelar resposta

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *